Santarém é considerada porta de entrada do turismo na região oeste do Pará. Referência em ecoturismo no Brasil, consegue se destacar dentro do contexto amazônico, mas vive da luz que brilha sobre Alter do Chão. É comum o turista, ao escolher Santarém, passar direto para a vila balneária mais famosa da Amazônia.
Tenho uma ideia para contribuir com uma melhoria na visibilidade da cidade, que tem muitos atrativos, como o encontro das águas dos rios Amazonas e Tapajós, em frente ao centro urbano. Existem ótimos restaurantes, bares, casas de show, bons hotéis e pousadas. A vida noturna é bem atuante. Mas nada disso parece cativar a maioria dos visitantes, que prefere o contato com a natureza, as praias de água doce, o conceito de turismo de base comunitária, o turismo de experiência, a gastronomia, por exemplo, tão comuns por aqui.
Penso que a história do município seja um detalhe importante no momento da captação de novos clientes. Seria uma maneira de despertar a atenção de quem gosta de fazer a incursão pelos atrativos naturais, mas também poder mergulhar na história que, convenhamos, tem muito a ser contada. Os livros de história nunca contaram o que se passou por aqui, especialmente, no século 19, que foram repletos de movimentação.
Imagino um Museu Contextual para concentrar um monte de narrativas sobre o que se passou e ajudou a construiu o que a cidade é hoje. E olha que muita gente famosa passou por aqui, ou mandou os seus representantes. Muita coisa aconteceu a partir daqui, e que mudou os rumos da economia mundial. Duvida? Vou te contar… Alguém pode dizer que aqui já existem o Museu de História e Arte Sacra (mostrando a trajetória da igreja católica na região), o Centro Cultural João Fona (enfatizando os achados arqueológicos e a importância da cerâmica de Santarém, de muitíssima importância), o Museu Dica Frazão (que revelou uma artesã com projeção internacional). Todos esses cumprem papel primordial na função de revelar o que temos de melhor nas artes e quanto ao passado.
O que proponho é que podemos ir além. Podemos falar de eventos acontecidos em ordem cronológica, envolvendo fatos marcantes. A começar pela passagem do navegador espanhol Francisco Orellana, em 1542, quando a embarcação foi atacada pelos índios tapajó, e no confronto o escrivão frei Gaspar de Carvajal teve o olho perfurado por uma flecha. Em 1626, o navegador Pedro Teixeira ao passar aqui com sua tropa de resgate ‘descobriu’ o Rio Tapajós (tempos depois fez a viagem famosíssima até o Peru, dando ao Brasil a condição de ser português, e não espanhol, entre outras coisas). Em 1697, o português Manoel da Mota Siqueira entregava a Fortaleza dos Tapajós, uma obra iniciada pelo seu pai, com o propósito de resguardar os interesses da Coroa Portuguesa na região. Em 1758, o então governador do Grão-Pará, Mendonça Furtado, sob a orientação de Marquês de Pombal, mudou o nome de aldeias que experimentavam relativo progresso para nome de vilas portuguesas na região do Baixo Amazonas (Santarém estava entre elas. Ah!… No ano seguinte, os jesuítas foram expulsos do Brasil e a língua portuguesa foi instituída como a única a ser falada no país). De 1833 a 1840, os efeitos da Cabanagem em terras mocorongas. Por volta de 1850, a importância da comunidade de Boim, na margem esquerda do Rio Tapajós, por conta da ação dos judeus sefarditas, que transformaram o lugar mais forte economicamente do que Santarém e Itaituba. Em 1867, a chegada dos Confederados, que fugiam da Guerra da Secessão, nos Estados Unidos, e que trouxeram novidades para a atividade agrícola e transporte fluvial, entre outros. Em 1871, a chegada do inglês Alexander Henry Wickham, que cinco anos depois saiu daqui, em um navio com bandeira inglesa, levando 70 mil sementes de seringueiras da comunidade de Boim, o que 20 anos mais tarde, depois de as sementes terem recebido melhoramento genético em Londres, foram enviadas às colônias inglesas no sudeste asiático, fazendo naufragar a economia da Amazônia, que fez Manaus e Belém, serem referência em crescimento econômico no Brasil daquela época. Entre 1928 e 1945, o empresário americano Henry Ford montou pequenas cidades, Fordlândia e Belterra, para dar sustentação à plantação de seringueiras que abasteceriam a sua indústria automobilística, nos Estados Unidos.
Onde seria esse Museu Contextual? Tenho três sugestões. A orla da cidade, em qualquer ponto, seria muito interessante, pois agregaria valor à utilização do espaço público, indo ao encontro da necessidade de locais e visitantes encontrarem informação qualificada sobre a cidade (mais turístico que isso, impossível!…). A segunda ideia seria no terreno da antiga Usina da Celpa, que fica de frente para o Rio Tapajós, em um terreno baldio. Aquela região, além de residencial, se transformou em centro gastronômico e bares com pegada turística. Por fim, nas dependências do Solar do Barão de Santarém, um prédio icônico para a cidade. E que quero falar um pouco mais sobre o prédio e da pessoa que mandou construir.
O Solar do Barão é um prédio sem uso em Santarém. Está aí uma boa oportunidade de dar destinação a um patrimônio que em muito contribui arquitetonicamente para a história da Amazônia. Mantido pela família Pereira, sente a ação do tempo, e como todo prédio histórico precisa de uso ou manutenção. A fachada, em estilo neoclássico, imita a fachada do então palácio do governo da província, em Belém, o Palácio Lauro Sodré. O prédio tem 3 pavimentos, sendo que no primeiro 7 portas, no segundo com 7 janelões e no último, 3 janelões. Importante ressaltar o brasão da família no último. Na parte de baixo, espaço para o estabelecimento comercial, além de servir de aposento para viajantes, escravos domésticos e funcionários. No segundo, os aposentos da família, sendo que a parte de trás era reservada aos serviços domésticos e às mulheres. Um cidadão chamado Avé-Lallemant, que ficou na casa do Barão de Santarém, na época, escreveu em seu diário que a residência do mesmo, o prédio, “era como não estar no Brasil, para não falar no Tapajós”.
O Solar do Barão pertencia a Miguel Antônio Pinto Guimarães. E quem foi ele? Nasceu na vila de Santarém, em 8 de janeiro (ou junho) de 1808. Miguel Antônio se destacava pelo espírito empreendedor, tendo sido dono de embarcações pesqueiras, fazendas de gado em Prainha, Monte Alegre e Alenquer, além de cacauais, engenhos de açúcar na Fazenda Taperinha e dono de seringais nativos e silvestres. Naquela ocasião, a vila era formada por pescadores e pequenos agricultores. Estabeleceu sociedade com Romulus Rhome, um confederado, recém chegada à vila. Juntos, efetivaram o engenho de açúcar mais próspero da época e o único com moinhos movidos a vapor. Miguel Antônio era um homem de influência na pequena vila, pois, além de muito rico, ocupou cargos de confiança por indicação do governo provincial, como juiz de paz, coletor de rendas provinciais, comandante da Guarda Nacional. Foi também vereador, presidente da Câmara entre 1848 e 1876, deputado provincial, vice-presidente da Província do Grão-Pará, chegando a ocupar o cargo de presidente da Província. Tamanha influência lhe rendeu uma homenagem por parte da Princesa Izabel, em 1871, quando recebeu o título de Barão de Santarém, uma comenda prestigiada no período da Regência do Império.
Santarém reúne motivos para ser olhada com olhos bem atentos. A revista National Geographic, em 2010, na matéria cujo título foi “A cidade de todos os tempos”, levantou informações que consideram Santarém, a cidade arqueológica mais antiga do Brasil, ao destacar as civilizações pré-coloniais na Amazônia e o sítio arqueológico de Santarém. Em 2009, Santarém foi incluída no Plano de Cidades Históricas do Brasil, pelo Ministério da Cultura (MinC) e Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).
Por isso tudo, Santarém talvez mereça um algo a mais para se tornar uma cidade com apelos diversificados, pontuando também questões históricas, e não apenas servindo como ponto de passagem para Alter do Chão.
Emanuel Júlio Leite
@turismoaqui (Facebook, Youtube e Instagram) – Associado da Abrajet Pará